NO RITMO DO DALAI LAMA
Não é preciso ser teólogo para desconfiar que as religiões têm ideias bem parecidas sobre como beneficiar os indivíduos por meio de um comportamento ético e de práticas espirituais. Também não é preciso ser historiador para concluir que essa imensa zona de interseção jamais sustentou uma plataforma de ação conjunta (em grande escala) ou garantiu a convivência pacífica entre as diversas tradições. É difícil compreender essa contradição, mas temos de admitir: a religião pulsa em boa parte dos conflitos mundiais do presente e do passado.
Dançando com Desmond Tutu
Admitir a beleza do outro, no campo religioso, ainda é um impulso tímido. O ímpeto missionário é mais forte e não ajuda muito neste sentido. Quando não é a religião é o religioso, convicto de que fora de sua igreja, templo, terreiro, centro, sinagoga ou mesquita não há salvação.
Neste aspecto, poucos líderes religiosos têm demonstrado tanto fair play quanto o Dalai Lama. A foto acima é do livro “The Book of Joy”, em que o tibetano celebra sua amizade com o arcebispo da Igreja Anglicana na África do Sul, Desmond Tutu. Os dois são amigos de longa data e, apesar das diferenças culturais, têm muita coisa em comum. A começar pelo Nobel da Paz.
Caminhando com Merton
Já reparou que nunca vemos o Dalai Lama cercado de seguranças e que as pessoas sorridentes ao seu lado parecem realmente suas amigas? Pode ser uma ótima assessoria de marketing ou um talento espantoso para a diplomacia, mas ao defender o diálogo inter-religioso ele toma um cuidado que demonstra seu real envolvimento (teórico e prático) com a questão. Em vez de referências budistas, sempre cita nomes de outras tradições como o monge trapista Thomas Merton e Gandhi, por exemplo.
Tradições diferentes
Do primeiro, diga-se de passagem, ele também foi amigo. Em “Uma ponte entre as religiões”, lançado no Brasil pela Martins Fontes, o tibetano aborda a influência do cristão em sua maneira de pensar. “O interesse de Merton pelo budismo foi uma verdadeira inspiração, no sentido de que refletia uma grande coragem para explorar tradições diferentes da sua”, escreve o Dalai Lama. Das conversas entre os dois em Dharamsala, na Índia, em 1968, veio a convicção de que “um fiel sincero pode, com integridade, ser um pluralista em relação às outras religiões sem comprometer sua lealdade à essência dos ensinamentos de sua própria fé.” Até um monge o pode e aprenderia muito com as outras tradições, segundo os dois religiosos.
Diálogo inter-religioso
O Dalai Lama escreve sobre esse tema com bastante regularidade. Chegou a dizer que um de seus compromissos é justamente esse: “promover o entendimento e a harmonia inter-religiosos”. No já citado “Uma ponte entre as religiões”, ele vai ainda mais longe e elabora um programa de entendimento inter-religioso com base em um valor comum a todas as tradições: a compaixão. É corajoso ao escrever capítulos inteiros sobre o que aprendeu e sobre o quanto admira cada uma das grandes religiões e alguns de seus líderes. Mas vê-lo dançar com Desmond Tutu não só é inspirador como sugere outros dois termos essenciais a qualquer programa de entendimento inter-religioso: bom humor e desapego.
REVISTA ALMA – ESPIRITUALIDADE CONTEMPORÂNEA
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